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Cadeira Nº 33

Patrono
Antônio Magalhães Martins

Acadêmica:

 Raquel Lima Damasceno (2ª Ocupante)

Posse: 14 Jan 2022

Antecessora:
Maria Eunice Martins Melo Aragão (1ª Ocupante)
Posse: 19 Jan 2007

Acadêmica Emérita em10 Out 2020

DN - 28 Mar

 

Discurso de Posse:

 

DISCURSO DE POSSE DE RAQUEL LIMA DAMASCENO (RAQUEL DAMALI) NA ACADEMIA IPUENSE DE LETRAS, CIÊNCIAS E ARTES (AILCA), NA CADEIRA 33 EM 14 DE JANEIRO DE 2022, REALIZADA NA SEDE DA ACADEMIA.

          Diletos srs. Presidente da Academia Ipuense de Letras, Ciências e Artes, Francisco Martins de Souza Torres e recém presidente eleito, Sr. Henrique Augusto Pereira Pontes; estimada diretoria e valorosos confrades, confreiras, autoridades, familiares, amigos e demais presentes neste recinto, ou via redes digitais, neste momento, meus respeitos e agradecimento pela presença.

          Com um misto de contentamento, mas também de extrema responsabilidade, recebi a informação de ter sido eleita para a ilustre Academia à qual hoje tomo posse, na cadeira 33 do patrono Antônio Magalhães Martins, vacância de Maria Eunice Martins Melo Aragão, agora Acadêmica Emérita.

          Estamos aqui não para sermos abrilhantados pela excelsa Academia, mas para abrilhantarmos ainda mais essa instituição no que concerne a colaborarmos para o fomento, produção, guarda, incentivo e disseminação das letras, ciências e artes. Essa afirmação ficou mais pertinente para mim ao procurar saber sobre o patrono da cadeira 33.

         Antônio Magalhães Martins, ipuense filho de José Júlio Martins e Maria Luisa Magalhães Martins, nasceu em 1921 e, ainda na juventude, foi acometido de hanseníase, doença que lhe acompanhou por toda a vida ao tempo que foi causa de muitas lições apreendidas ao longo de sua jornada. Também conhecido, pelos mais íntimos, como Totó, faleceu aos 75 anos, na colônia de Curupaiti, localizada em Jacarepaguá, Rio de Janeiro.

         Falar do patrono da cadeira 33 é falar do seu livro Do Outro Lado da Fronteira, pois o livro é, literalmente, o relato de sua vida! Portanto, segue um breve panorama.

         Há autores que mesmo sem uma extensa produtividade conseguem deixar, em poucas ou apenas uma obra, sua marca registrada através do conteúdo e importância do seu legado. Essa obra de uma vida, acaba sendo sua “master piece” reverberando por gerações devido a inegável transcendência de sua mensagem. Provavelmente, esse é o patamar que o livro “Do outro lado da fronteira” alcançou. Um livro pioneiro e relevante que trata das chagas da hanseníase, sobrepõe-se a essa temática e toca em assuntos, até hoje, mácula em nossa sociedade, como a intolerância nas relações sociais. Acho esse fato, um pertinente paralelo.

       Outro fato incontestável é que o autor execra a vaidade, a veleidade, a frivolidade. Deixa claro que seu relato não tem pretensões e imagina-se não preparado, tecnicamente, para a literatura. Ocorre que, mal sabe o modesto escritor, sua obra é um esmero, tanto em técnica quanto em conteúdo.

      Mas, melhor que interpretar o patrono e sua obra, é deixar o mesmo falar por si. Desse modo, destaco algumas de suas analogias/metáforas que são um primor, como na frase sobre uma paquera: “A boca da esfinge capixaba era indefinível como o sorriso de Gioconda, e sedutora como o sorriso de Berenice, na descrição trágica de Poe."

      Sobre as relações de poder e ambições humanas, parafraseamos o que o autor conclui: “a vaidade humana não tem limites nem conhece fronteiras, ocorrendo tanto em um palácio quanto em uma palhoça”. Em seguida, prossegue: “... os maiores sofrimentos e danos que a vida nos impõe resultam mais da própria maldade do homem e não de fatores naturais, por mais adversos que sejam."

         E mais: “As feridas abertas pela injustiça são as mais dolorosas e as que mais demoram a cicatrizar."

      Mas, a postura de Antônio Magalhães Martins diante do desafio que a vida lhe impôs não pode, e nem deve, ser resumida a reflexões amargas ou de subserviência a doença, mas a superações contínuas. O autor transpõe desafios físicos impostos até para escrever. Em muitos momentos o escritor provou não se acomodar e sim ser protagonista em sua sobrevivência, buscando meios para se sustentar e sentir-se útil, evitando utilizar a doença como uma desculpa para acomodação.

       Fico imaginando o autor de ficção ou cronista do cotidiano que Antônio seria, pois, no decorrer do livro, seu tino para descrever tipos característicos nos remete a histórias paralelas incríveis.

        Outra constatação foi o apego contínuo do autor às suas origens. No começo de sua jornada e no ocaso de sua vida, o apego ao seu berço permanece e serve como um bálsamo em momentos distintos. Como ele mesmo afirma: “Mas são lembranças suaves e mansas, dessas que pedem licença e chegam devagarinho, sem agredir, cheirando a flor de mofumbo.”

       E Antônio Magalhães Martins faz de sua obra uma exortação ao desprendimento, repudiando a vaidade, enaltecendo a simplicidade, a humildade e tirando lições da natureza em que, nos seus momentos mais melancólicos o inspirou, repassando que o pouco que temos, de algum modo, pode ser compartilhado e valorizado. E assim Antônio fez. Não a toa o seu livro serviu também como holofote sobre o que ocorria nos muros de quem estava “no outro lado da fronteira”.

     A obra desse ilustre patrono também é um desabafo. Um grande desabafo; não um desabafo magoado, mas resiliente, inclusive com os fatos que lhe machucaram pelo caminho. Mas não confundir o resiliente com o conformismo, pois durante sua jornada soube bem observar, se posicionar ou calar, quando necessário, e separar o joio do trigo. É uma obra de uma vida de resiliência, consciente.

     Agora, um aparte para destacarmos Maria Eunice Martins Melo Aragão, sobrinha de Antônio Magalhães Martins, que conforme o estatuto passa a ser Acadêmica Emérita, anterior ocupante da cadeira 33 devido seus incontestáveis méritos de educadora e escritora.

       Eunice, que também é minha prima em segundo grau, através do seu ramo paterno, também fez do Ipu sua grande fonte de inspiração, deixando-nos muitos legados, dentre eles o icônico e musicado poema, Canção das Tamarinas.

      No livro À Sombra do Tamarineiro, um compêndio de suas criações, podemos apreciar seu estilo enquanto escritora. Um livro de composições suaves, escrita tranquila que deixa o leitor debulhar as inspirações da autora. O livro é ainda um misto de prosa com poesia, seus contos insinuam o jeito de ser da autora; suas crônicas servem como referencial memorialista de Ipu e seus poemas são leves, como uma aragem, trazendo-nos lembranças de outras épocas.

Aqui, atrevo-me a citar o pedacinho de alguns:

"... Dia e noite a me acordar!

Toca o sino da Igrejinha...

O medo minh'alma invade...

Não deixem que a Igrejinha

Seja apenas a SAUDADE!..."

...

"Caminho da minha vida

aonde queres me levar?

Perdido neste degredo

onde guardo o meu segredo

onde me ponho a cismar..."

        Esse superficial recorte que fiz, desses talentosos membros da AILCA ligados à cadeira 33, à qual estou sendo agraciada, são referências que também me inspiram. Como exemplo, posso destacar o constante posicionamento do patrono sobre sua aversão a egos e vaidades. 

      Somos partidários que essas características são também responsáveis pela cobiça e sentimentos egocêntricos, que acabam maculando possíveis talentos. Egos e vaidades são ervas daninhas que, ao invés de dividir para multiplicar, acabam fragmentando relações. O contrário da humildade, que procura aprender, compreender e somar; cientes que humildade não significa se desmerecer.

      Estamos em uma cidade cheia de referências históricas e berço de muitos talentos. Destaco que, quem não cuida de seu quintal não merece a floresta. Quem não valoriza suas raízes não floresce. Assim sendo, celebremos sim, nossas conquistas, nossos valores, nossos acertos e nossas ilustres personalidades.

      É fato que nem tudo deve ser louvado, aplaudido. Temos que ser justos em aceitar as críticas (se bem fundamentadas), como uma oportunidade de melhoria. Apesar de não querermos ser “palmatória”, não podemos deixar a mediocridade ser o invólucro da nossa cultura.

     "Como sou pouco e sei pouco, faço o pouco que me cabe me dando por inteiro". Essa frase atribuída a Ariano Suassuna parece reforçar a premissa de que, dentro de nossas possibilidades, façamos o nosso melhor. Esse é o espírito com que foco minhas atividades. Talvez, quem não é ciente de suas limitações e ache que já é suficiente em si, aí sim, limitar-se-à ao egocentrismo.

     Lembremos que apesar de cada um ser um universo em si, somos seres agregados, vivemos em sociedade. Crescer sozinho, sem compartilhar seus conhecimentos, seus talentos, suas habilidades, nem valorizar a produção do outro, é dispensar e renegar as produções que enriquecem o legado da humanidade. Nesse sentido, já que me servi de várias frases de terceiros, peço agora licença para destacar mais uma, esta contida no hino da AILCA:

"Outros virão, sede vós os guardiões

Da história gerada com ardor..."

(Letra da acadêmica: Maria de Lourdes Mozart Martins Moura/ Música: Francisco Marcílio de Melo Lima)

         Essa exortação corrobora e, de certo modo, resume uma das principais partes do Estatuto da AILCA.

Art. 3º - A Academia Ipuense de Letras tem por finalidade e objetivos principais: I - Cultivar o desenvolvimento das letras, das ciências e das artes na cidade de Ipu; II - Preservar a produção literária, científica e artística de Ipu nas suas diversas formas de manifestações; III – Promover atividades educativas, culturais e científicas em prol da sociedade ipuense.

            Desse modo, podemos afirmar que fazer parte da Academia é uma honra e um desafio; além de um privilégio, por estarmos cercados de membros que têm, a priori, a cultura, a ciência, enfim, o conhecimento, como um legado a ser preservado, disseminado e incentivado. Vale ressaltar que esses talentos e produções extrapolam os muros da AILCA, visto que é um espaço democrático que agrega, em seu acervo, obras de distintas origens.

            Como socióloga, como atriz, como cidadã e, principalmente, amante das letras, ciências e artes, espero colaborar de forma efetiva junto a essa instituição, mas já destaco essa citação atribuída a Buda: “A semente trabalha no silêncio para apresentar suas obras.”

 

             Em tempo, registro aqui que sou fruto de meu tempo, das minhas leituras, das minhas atitudes, dos meus sonhos e das referências da minha vida, sendo as principais meus pais: o pragmático Luiz Evangelista Damasceno e a sensível Maria Cleide de Melo Lima Damasceno. Sou afortunada por esse equilíbrio de personalidade que herdei. Agradeço a vocês alguns dons recebidos e o exemplo de ética, honestidade, humildade e tenacidade. Devo evidenciar que essa aprendizagem também vem com a nova geração, representada pela minha filha Beatriz Damasceno de Almeida, um ser humano que me trouxe muitas lições. Nesta oportunidade reverencio, de modo geral, meus antepassados que cultivaram na família o gosto pela leitura, pelas artes e pelo incentivo ao conhecimento; em especial meu avô Francisco Lisbôa Lima, também ator, que me inspirou seguir no mundo das artes cênicas.

           Aproveito o ensejo para remeter a afirmação que fiz anteriormente de que as produções culturais e científicas, obviamente, não são apenas mérito de uma instituição, desse modo, pego emprestado o trecho de um texto de minha mãe, que homenageia os anônimos no seu livro O Caminho do Tempo:

ANÔNIMOS (Quem?)

 

“...Os esquecidos, desconhecidos, e reconhecidos, no anonimato.

Os desvalidos da notoriedade!

Seus talentos são semelhantes as pérolas que vivem encrustadas no interior das ostras e no fundo dos abismos dos oceanos.

...

Na obscuridade da fama, sem o reconhecimento por sua arte, são os anônimos.

No anonimato da vida, também vivem aqueles escondidos, os ocultos das galhardias. Seus talentos e valores passam despercebidos, ficam à margem.

...

Capacitados pelos talentos natos, aureolados pelo penhor de uma inspiração fecunda, beneficiados por férteis imaginações e mergulhados no anonimato absoluto.

...

Os anônimos passam sempre pela passarela dos sonhos!”

Complemento esse texto, com um poema do maravilhoso Paulo Leminsky:

“Aqui jaz um grande poeta.

Nada deixou escrito.

Este silêncio, acredito,

são suas obras completas.”

(Paulo Leminsky)

          E aqui acrescento que, mesmo cientes que nem sempre conseguimos mirar holofotes em determinados nomes ou obras, isso não tira o mérito desses artistas/artífices/literatos/cientistas e nem diminui a amplitude do que uma instituição voltada para a cultura e a ciência atinge.

           Aproveito minha fala para parabenizar, também, os novos colegas que foram eleitos à esta academia: os senhores Jorge Nobre e Iran Coelho Malaquias. Aos demais membros, meus respeitos e admiração.

           Agradeço a confiança dos votos recebidos e espero corresponder às suas expectativas. Humildemente peço o apoio de suas qualidades para que eu possa aprender e contribuir com essa egrégia entidade e à comunidade a qual faz parte.

           Obrigada a todos pela deferência e acolhida. Boa noite.