Diniz Vitorino (cantador pernambucano)
Iracema, flor selvagem,
Esbelta e morena imagem,
Vigia das noites claras!
Misto de honra e lirismo,
Marco do primitivismo
Da tribo dos Tabajaras!
Foste, pois, virgem guerreira,
A mais bela brasileira
Das ocaras primitivas!
Teu nome doce e gentil
Cobrirá sempre o Brasil
Com véu de lembranças vivas!
Onde teus pés deslizavam
As fontes verdes cantavam
Deslumbradores gorjeios...
E as pequeninas falenas
Fugiam das açucenas
Pra dormitar nos teus seios!
Quanto à noitinha saías,
As estrelinhas esguias
Seguiam tuas andanças...
E o luar, cheio de amores,
Fazia rastros a cores
Nos cachos das tuas tranças!
Se tu ao prado chegavas,
Quando uma rosa beijavas,
E se a rosa fosse linda,
Ao receber o teu halo,
Se balançava no talo,
Ficando mais bela ainda!
Se à noite as trevas caíam,
Quando teus olhos se abriam
Chovia prata nos campos!
Mil centelhas crepitavam,
Nos vales se misturavam
Com raios de pirilampos!
Tua boca nacarada,
Quente, bonita, corada,
Com formato de redoma,
Abria-se qual bugari
Que oferece ao colibri
Cálices cheios de aroma!
Os teus cintilantes dentes
Eram dois brilhantes pentes
Formando dois arcos lindos,
Duas metades de lua,
Lançando da boca tua
Chuvas de raios infindos!
Teus leves dedos esguios,
Delicados e macios,
Faziam das tuas mãos
Dois leques bem naturais,
Tangendo os ventos da paz
Às tribos dos teus irmãos!
Os teus seios tão formosos
Eram dois pomos cheirosos
Do mais sutil conteúdo,
Quais dois globos flexíveis
Dando, cores, formas, níveis
Num manequim de veludo!
Como devia ser belo
Entrar contigo em duelo
À moda dos europeus,
E escapar por entre brechas,
Beijando as pontas das flechas
Que vinham dos arcos teus!
Ó meiga e formosa virgem,
Quem nasceu com tua origem
Não devia desposar
Um descendente de brancos,
Que viveu aos solavancos,
Singrando as ondas do mar!
Deverias morrer pura,
Dividindo a formosura
Com a beleza dos vales!
Nunca vendendo o pudor
Ao ladrão do teu amor,
Ao causador dos teus males!
Por que deixaste, Iracema,
Ó virgem – flor de jurema –,
Beijar-te por lábios grossos
De um filho de outras aldeias
Que não trazia nas veias
O sangue dos filhos nossos?!