Poesias

Paulo Fernando Torres Veras (ipuense)

 

RECEITA PARA RESSACA

Fui convidado pra festa

De um figurão importante!

Gente fina, muito rica,

Palacete deslumbrante.

O mais simples serviçal

Era cortês e elegante.

Bebi que nem um gigante:

Champanhe, uísque e bom vinho.

Comi tanto tira-gosto

Que os gostos nem adivinho...

Juntei-me a turma da cana,

Que cantava ao som de um pinho.

Ao acordar no outro dia

Pensei que tinha morrido.

Procurei pela cabeça

Mas, dela não dei sentido...

E quando eu quis me aluir

Perdi de novo o sentido.

Dormindo no chão, vestido.

O paletó lambuzado,

Com fedor denunciando

Que eu havia vomitado

Gravata, camisa e calça...

E até o sapato ensopado.

Por fim, mais encabulado

Do que cabrito em jangada,

Tentando me levantar,

Não segurei a mijada.

Quando soltei um peidinho

Veio com merda encanada.

Isso na sala de entrada,

Tapete persa, vitrais,

A mobília Luiz Quinze,

Retrato dos ancestrais...

O mordomo olhou pra mim,

Com cara de satanás.

- Isso assim já foi demais!!!

Foi só o que eu escutei.

Patinando no mal feito,

Pelos cantos me escapei.

Cambaleando, apressado,

Para o mercado eu rumei.

Num tamborete sentei,

Pedi um caldo bem quente.

Mas, a velha barraqueira,

Olhou-me muito descrente,

Dizendo vai te lavar,

Que tu nem parece gente.

Saí para a praça em frente,

Num velho mastro amparado,

Vomitei verde e amarelo...

No meu rosto esbranquiçado,

Li “Desordem e Regresso”

De um brasileiro lascado.

Além da ressaca em sacas,

Tinha a ressaca moral...

No corpo, na mente e n’alma

Tudo estava muito mal.

Tremor, enjoo e alvoroço,

Onde em mim havia um osso,

Sentia a dor por igual.

A RECEITA

 

Nisso apareceu um cara,

Com cara de cu-de-cana.

Olhou pra mim com bons modos,

Me chamando de ‘bacana’,

Dizendo ter um remédio

Para a ressaca tirana.

- Veja lá se não me engana!

Diz onde eu possa comprar.

Para curar essa praga,

Eu vou a qualquer lugar,

Vou de jumento ou de a pé,

E pago o que precisar.

- Fique frio e venha cá.

É logo ali, camarada,

Vamos no bar desta esquina,

Tomar uma bem gelada,

Que ela rebate a ‘mardita’,

Você não sente mais nada.

Dei uma enorme golpada,

Só ao pensar em bebida.

Para a péssima ‘receita’

Arranjei uma saída.

Fui à Farmácia e tomei

Uma droga amarga e ardida.

Aí quase perco a vida,

Ampliou-se o mal-estar...

O estômago se espremia,

Sem ter o que vomitar,

Minha cuca explodiria,

Se eu pensasse ‘vou pensar’.

Uma beata passava...

E no chão quando me viu,

Parou pra repreender,

Esse meu proceder vil.

Respondi: - Minha senhora,

Vá pra puta que pariu!

Dormi na sombra de um muro,

Porém, pelo meio-dia,

O sol queimando o meu rosto,

Com o calor me sacudia...

Acordei sentindo o bafo

De um totó que me lambia.

Por fim, alguém me acudia...

Era um velho curandeiro,

Que conheci acampando

Nos meus tempos de escoteiro.

Ele disse tenha fé,

Que meu remédio é certeiro.

Chegando no seu terreiro,

Ele fez a louvação,

Soprou incenso nos santos,

Dançou, cantou, fez menção

De arrancar as minhas tripas,

Apontando-me um facão.

- Valei-me, Frei Damião,

Padim Ciço me proteja,

Que o diabo dessa ressaca

Não me prenda nessa ‘Igreja’.

Se eu me curar desse porre,

Nem olho mais pra cerveja.

O curandeiro esbraveja,

Enquanto eu saí correndo...

Ao passar numa favela,

Uma velhinha me vendo,

Disse espere um pouco moço,

Seu semblante está horrendo.

Entrei e fui lhe dizendo,

Por Deus do Céu me acuda,

Tô morrendo de ressaca,

Preciso muito de ajuda.

Ela disse espere um pouco

Que eu vou já chamar a Muda.

Uma moça boazuda

Chegou na minha presença,

Alguém disse que ela era

Surda e muda de nascença.

Mas, vendo tanta beldade,

Vigor e docilidade,

Nela pus a minha crença.

O REMÉDIO

A tal Muda me apalpou,

Depois seguiu pra cozinha,

Ao voltar se demorou

Um pouco na camarinha.

Depois de algum ‘gungunzado’,

Ela me trouxe a meizinha.

Eu provei uma coisinha,

Logo engolindo o restante.

Senti correr pelo corpo,

Um calor, doce e excitante,

Estava eu novo, de novo,

Curado no mesmo instante!

Saí dali num rompante,

Pra mudar de vestimenta,

Pois minha roupa fedida,

Já me incomodava a venta,

Que um paletó vomitado

Nem mesmo o diabo agüenta.

Puxando mais de noventa,

Joguei toda a roupa fora,

Em casa tomei um banho,

Que durou mais de uma hora.

Comi bem, dormi feliz,

Graças à Muda e à Senhora.

No outro dia, sem demora,

Voltei para agradecer.

E através dum intérprete,

Eu quis da Muda saber,

Da fórmula milagrosa

Que ela me deu pra beber.

A Senhora, com prazer,

Falou da composição:

Salsa caroba com breu,

Pimenta e manjericão,

Uma pitada de sal,

Eu vi ferver no fogão.

Mas o restante... Sei não!

Quando vai na camarinha,

Fazendo o seu ‘gungunzado’,

A Muda põe na meizinha,

Um produto bem guardado,

Que ninguém nem adivinha!

Chame aqui essa Mudinha,

Que eu pago pelo segredo.

A velha Senhora disse,

Talvez você tenha medo,

É melhor não se meter

Nesse complicado enredo.

A ficar no engano ledo,

Prefiro a dura verdade.

Diga a Muda que me diga,

Com toda sinceridade,

Qual foi esse ingrediente,

Que me deu salubridade.

Depois da longa amizade,

Que me tornara um igual,

Já namorando a Mudinha

Ela me disse, afinal,

Que era um sachê escondido

Por debaixo do vestido,

Num cantinho especial.

CONTRA-INDICAÇÃO

 

Pra nada é contraindicado

Esse chá tão milagreiro.

Mas, já está patenteado,

Não dou, nem vendo a dinheiro.

Pois hoje dessa Mudinha

Sou o fiel companheiro.

E como não bebo mais

Bebida de embriagar,

Só tomo desse elixir,

Quando o meu bem vem me dar.

E o que mais me dá prazer

É repor sempre o sachê

No seu gostoso lugar.

         PAULO Fernando Torres VERAS

          Fortaleza, setembro-2010.

 

Mais artigos do Autor.