Discursos

Titular da Cadeira Nº 34

 

Caríssimos Colegas Professores.

Caríssimos alunos.

Meus ex-alunos.

Colegas de profissão.

Amigos.

 

Hoje é dia de grande festa antecipada. Hoje vocês organizaram de forma brilhante este encontro, que a academia denominou há muito tempo de Aula da Saudade. Na verdade trata-se de um rito de passagem que antecede a Colação de Grau em conclusões de cursos. Momento descontraído onde se revive os pelo menos quatro anos passados nesta casa que cultua o saber e que inteligentemente usa como slogan, Ensinando e Aprendendo. Muito feliz o publicitário que o criou porque efetivamente nós instituição aprendemos mais que ensinamos e vocês alunos ensinam mais e também aprendem. Educação e via de mão dupla. Agradeço de já terem me escolhido como orador docente para este momento que para mim é intimista e particular, dispensando-se as divulgações da grande festa.

 

Resolvi para esta aula falar do que nunca falo ou falei em sala de aula para tentar ensinar alguma coisa neste momento de breve despedida. Sou uma pessoa feliz. Feliz por ter sido agraciado ao nascer em uma cidade onde reinava a solidariedade humana. Naquela pequena cidade progressista o convívio amiúde se dava com os dois tipos mais característicos do nosso forte Ceará: o sertanejo e o serrano. Ao sopé da Ibiapaba o colonizador português buscou o líquido mais precioso, até hoje, para a preservação das espécies e acabou por fundar uma vila que veio a transformar-se em cidade. Como qualquer outra, Ipu, se compunha das intrigas, mexericos, desavenças, desmandos, ganância e outras tantas más qualidades inerentes a nossa “superior espécie”. Entretanto, para o peso oposto Deus povoou-a com as bonanças e bondades presentes sempre na convivência dos citadinos. Aqui encontramos o nicho para o bem viver. Conviver com o cotidiano e suas mazelas e aproveitar e aprender com a pureza da alma do sertanejo e do serrano.

 

Fui uma criança feliz por ter gozado da liberdade de espaço, da pureza da água do Ipuçaba com muitos banhos naquele riacho e do ar benéfico e rarefeito do pé da serra; o calor e o frio se revezavam sempre em nosso dias e noites. Fui um adolescente fogoso, flertando de longe e roubando beijinhos das meninas bonitas que dançavam as quadrilhas de São João. Fui um jovem limitado tendo que reaprender e conviver na megalópole com pessoas insolidarias e portadoras das mesmas outras qualidades pertencentes aos meus conterrâneos. Sou um adulto feliz por buscar um espaço onde possa ser útil a sociedade  e particularmente a cada pessoa que a compõe. Sou um professor privilegiado por ter tido e ter a oportunidade de conviver e trabalhar com pessoas com vocês.


“Eu sou de uma terra que o povo padece
Mas nunca esmorece, procura vencê,
Da terra adorada, que a bela caboca
De riso na boca zomba no sofrê.

Não nego meu sangue, não nego meu nome,
Olho para fome e pergunto: o que há?
Eu sou brasilêro fio do Nordeste,
Sou cabra da peste, sou do Ceará.

Tem munta beleza minha boa terra,
Derne o vale à serra, da serra ao sertão.
Por ela eu me acabo, dou a própria vida,
É terra querida do meu coração.

Meu berço adorado tem bravo vaquêro
E tem jangadêro que domina o má.
Eu sou brasilêro fio do Nordeste,
Sou cabra da peste, sou do Ceará.

Ceará valente que foi munto franco
Ao guerrêro branco Soare Moreno,
Terra estremecida, terra predileta
Do grande poeta Juvená Galeno.

Sou dos verde mare da cô da esperança,
Que as água balança pra lá e pra cá.
Eu sou brasilêro fio do Nordeste,
Sou cabra da peste, sou do Ceará.

Ninguém me desmente, pois, é com certeza,
Quem qué vê beleza vem ao Cariri,
Minha terra amada pissui mais ainda,
A muié mais linda que tem o Brasí.

Terra da jandaia, berço de Iracema,
Dona do poema de Zé de Alencá.
Eu sou brasilêro fio do Nordeste,
Sou cabra da peste, sou do Ceará.”

 

Esta poesia de Patativa do Assaré diz muito do meu povo sertanejo e serrano, puro, despretensioso, desinteressado, simples, humano, danado. Que estes versos e esta filosofia do sertanejo sirvam de força motriz para suas vidas profissionais e sobretudo pessoal, nunca alimentem a soberba sempre cultuem a simplicidade.

 

Quero (observem o tempo verbal) que vocês levam este pedacinho de mim, como meu agradecimento por ter convivido com esta plêiade que me fez crescer. Não tenho outra coisa a dar-lhes senão esta vivência sentida e que agora me permito externa-la e despojar-me em razão do prestigio, da atenção, do carinho que todos vocês demonstraram para comigo.

 

Obrigado pelo incentivo, pelo apoio e sobretudo pela compreensão sincera que sempre me dispensaram, Alunos (infelizmente para mim, a partir de hoje, ex-alunos) como vocês são rosas e cravos preciosos que não se encontram em canteiros são (talvez nem se tenham dado conta) incentivadores, cobradores e propulsores de melhores dias de estudo e convívio fraternal para os que vem atrás de nós.

 

A repetição, constitui-se em nossa bela língua uma redundância, figura de linguagem rejeitada pelos literatos e estilistas. Mas quem sou eu para desejar tanto, quisera ter ou tido este precioso dom da escrita. Assim direi mais uma vez, particularmente a cada um bem juntinho do coração: obrigado por terem me presentado com a oportunidade de crescer como gente e por consequência como professor.

 

Para não me delongar ainda mais muito menos ficar andando em círculos trago-lhe o poema “A Lágrima” de Carmem Freire, a baronesa de Mamanguape,  escrito na segunda metade do século XIX e que continua novíssimo, pois a literatura tem este dom, é eterna:

 

“Nascida na ternura ou na tristeza,

Límpida gota dos orvalhos da alma,

Tu, lágrima saudosa, muda e calma,

Que força enorme tens nessa fraqueza? 

 

Possuis mais que o poder da realeza,

Quando és filha da dor que o pranto acalma,

E, qual gota de orvalho em verde palma,

À pálpebra chorosa ficas presa!

 

Estrela da saudade, flor de neve,

Que o vento da tristeza faz brotar,

Amo o teu brilho nessa luz tão breve

 

Do breve globo teu… imenso mar

Cujos fundos arcanos não se atreve

Nem se atreveu ninguém jamais sondar!”

 

Minhas lágrimas para vocês hoje são nascidas da ternura e não da tristeza e estas gotas dos orvalhos de minha alma servem para regar e prosperar suas caminhadas profissionais que tenho certeza serão profícuas. Sejam profissionais íntegros e competentes, o resto a vida se encarrega de trazê-los.

 

Muito obrigado!

Sejam felizes sempre!


NOTAS:

  • Discurso proferido, como representante do corpo docente, durante a Aula da Saudade dos alunos do Curso de Bacharelado em Turismo da Universidade de Fortaleza - Turma 1992.1, no Auditório da Biblioteca Central em julho de 1992.
  • REFERÊCIAS DAS POESIAS:

ASSARÉ, Patativa. Cante lá que eu canto cá. Editora Vozes. Petrópolis: 1978.

FREIRE, Laudelino (Org.). Sonetos Brasileiros. Rio de Janeiro: Officina Polytechnegraphica de M. Orosco & C, 1904.

 

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