Crônicas

Abílio Lourenço Martins

Titular da Cadeira nº 12

 

Cachorro homofóbico

 

Antigamente, quando ainda jovem, na minha cidade, o Ipu, era incomum vermos um homem ou mulher homossexuais assumidos. Talvez tivesse alguns, ou muitos, mas com seus comportamentos enclausurados em razão do repúdio da sociedade pudica

Lembro-me de um, por sinal muito amigo e respeitoso. Tinha um pequeno comércio onde vendia bolos, café e outras iguarias. O seu nome, para não tornar público, hei de respeitar.

Atualmente, entretanto, a união estável homoafetiva é natural, graças a aceitação consciente da sociedade, ratificada pela Resolução número 175, aprovada pelo Conselho Nacional de Justiça, no ano de 2013, quando permite o casamento entre pessoas do mesmo sexo.

Vamos aos fatos:

Diariamente, ou quase diariamente, desço as três quadras que nos separam da Beira Bar para praticar a minha caminhada vespertina. Caminho rápido, concentrado nas passadas, fiscalizadas pelo relógio.

            Um dia da semana, no entanto, dedico a mesma caminhada para passear, observar as pessoas, o comércio informal, pedintes (tenho até amigos), estátuas humanas, palhaços, mágicos, artistas populares em geral. Muito comum, também, vermos casais gays, com as suas mãos dadas caminhando respeitosamente pelo calçadão.

            Hoje, porém, andando vagarosamente, vejo caminhando em minha direção um casal gay formado por dois jovens com um comportamento por demais indiscreto. Às gargalhadas, se abraçavam e se beijavam, chamando atenção dos caminhantes.

            A maioria olhava e passava discretamente, mesmo não aceitando aquele comportamento. Exceção de um cachorro, homofóbico, com certeza. Ao ver o casalzinho partiu pra cima. O seu dono, com todas as forças, segura a coleira evitando um desfecho infeliz.

            O casalzinho? Ah, separaram-se e saíram correndo para um lado, para outro, aos gritos. “Ai, meu Deus, segura essa peste”... “oh bicho nojento”...”oh cachorro infeliz”  

A verdade é que o cachorrinho botou moral.

Não podemos conceitua-lo de homofóbico.

Coitado. Não conhece a Resolução 175.

 

Abílio Martins, 27 dez 2018

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